A fuga às emoções
A passagem por este mundo leva-nos a ter de lidar com todo o tipo de pessoas, porque todos somos diferentes, criados e educados por valores semelhantes ou desiguais, passando por experiências que nos moldam com o passar dos anos.
De certo que todos nós já tivemos, temos e teremos desavenças, amizades duradouras, ligações desconcertantes que não conseguimos explicar, amores perdidos, des (amores), complicações e toda uma panóplia de situações que aparecem a cada dia que passa na nossa vida.
Somos educados para superarmos o que nos dificulta o passar do tempo, umas vezes de forma mais fácil, outras de forma mais difícil. É fácil dizermos que faríamos isto ou aquilo, que agiríamos desta ou daquela forma, que somos isto ou aquilo, mas quando chega à altura de enfrentar "o touro pelos cornos", as coisas não são assim tão simples quanto parecem.
Em sociedade, existe o lobo, a ovelha e a raposa. O lobo é aquele que quer dominar o outro, que tem ideias fixas, que não vê a meios para obter aquilo que quer, que não aceita a opinião dos outros. Existe para controlar o seu meio, para ser o chefe da alcateia, o que pretende centrar todas as atenções para si próprio e não admite uma opinião contrária. É ele que comanda. É ele que vive obstinado pelas suas conquistas, independentemente do que os outros sejam, digam e opinem. Normalmente, não tem respeito pelo ser mais frágil e é sobre ele que ou descarrega as suas frustrações ou simplesmente o ignora, se não lhe servir de nada. Esse outro é a ovelha.
A ovelha é calma, mansa, ponderada, sabe viver em comunidade, tem objetivos desde sempre traçados, consegue aceitar-se a si própria como é, respeita o espaço que existe para que todos vivam em comunhão uns com os outros, deixa-se levar pelo que a vida lhe traz, aceitando e crescendo com as situações que se lhe deparam todos os dias. Há quem diga que é demasiado domesticada, mas por dentro tem um enorme poder de assumir as suas preferências, seja a comer "o pasto", seja a criar as suas crias, a encontrar no outro o melhor que ele tem, a enfrentar a dor de um parto...Mesmo que pareça frágil e um animal doce, é dotada de uma enorme personalidade interior.
Já a raposa é mesquinha, falsa, esperta, adora uma boa caçada, não se dá com todos, vive escondida, mas quando aparece, dissimula todas as suas imperfeições por forma a obter aquilo que quer, normalmente uma presa. Tenta agradar a todos, faz o joguinho matreiro para enganar quem lhe serve de isco para o prato principal. Mente de forma deslavada, gaba-se daquilo que tem e do que não tem, serve-se de uma entrada sorrateira, nega o que está à vista para devorar, no final, o objeto que tanto deseja.
Desapego: O lobo não consegue desapegar-se das suas convicções, mesmo que elas estejam erradas aos olhos de todos, é obcecado, não dorme, fica sempre à escuta, cria inimizades, vive sozinho ou com uns outros quantos que se assemelham a ele. Não se desapega daquilo que lhe complica a vida. Nas recentes versões da história do Capuchinho Vermelho, já não é o Lobo que leva a melhor na história. Come a avó e a menina da capa vermelha, mas por magia, existe um "salvador". A ele, elas lhe ficam para sempre em divida, por o mesmo as salvar da terrível tragédia que aconteceu.
A ovelha tem mais dificuldade em se desapegar, porque dentro dela existem emoções, sentimentos que não lhe permitem um simples apagar de borracha daquilo que experienciou, do que viveu, concentrando-se sempre no seu bem estar e dos outros. Como tenta encontrar sempre o melhor no outro, a separação ou o simples apagar da memória, cravado a pedra, torna-se quase impossível de eliminar. Não que seja rancor, mas sim mágoa e dor, que só com o tempo a tornam mais vivida, mais adulta, mais capaz de resistir a intempéries repentinas.
A raposa. Bem...a raposa, sendo descrita como é, não tem necessidade de desapego, porque realmente ela não se apega a nada. É demasiado calculista para ter emoções verdadeiras e que envolvam necessidade de desapego.
Mas o que é isto do desapego afinal?
"Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao
final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário,
perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome
que damos, o que importa é deixar no passado os momentos que já se acabaram. As
coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas possam ir embora.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida com
cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Antes de
começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o
que passou, jamais voltará. Lembre-se de que houve uma época em que podia viver
sem aquilo - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Encerrando
ciclos. Não por causa do orgulho, por
incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa
mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a
poeira."
Glória Hurtado